1.7.10

Insónia abençoada

Fiquei assim: lendo, pensando e escrevendo. A insónia do tamanho da noite. A noite do tamanho da insónia. Olha, o galo cantou outra vez. Gosto de ouvir o galo cantar. Traz-me recordações campestres. Há qualquer coisa de grandioso na rouquidão daquele canto que chama o dia. Um pensamento quebrado pelo primeiro piar tímido da madrugada em ascensão. O dia floresce diante de mim, paro de escrever e consigo ouvir nitidamente o canto de um pássaro que acordou mais cedo para despertar os outros. Olha outro. E outro. Que belo. Oiço também um periquito e um melro e andorinhas. A força das gargantas dos bandos de pardais, frenéticos, numa correria que lhes é tão típica. Essa doce melodia com que a Natureza me presenteia todos os dias, num ritmo instável e sempre inovador. Quando não a oiço em sonhos, oiço-a acordado. A brisa fresca que entra pela rede é imaculada, acabou agora de ser soprada e é capaz de limpar o pulmão ao fumador mais dedicado. Age como cafeína. Café fresco em verão quente, tão a meu gosto. Não me atrevo a deitar, não vá o cansaço consumir-me até ao tutano. O dia já nasceu, de que vale dormir uma hora? Encosto-me à brisa matinal e deixo-a folhear o livro que adormece na minha mão. Um cheiro doce e enjoativo entra-me pelas narinas. Ao que parece os da pastelaria já estão a fazer bolos com o suor do seu cansaço e eu aqui a desfrutar da minha insónia. 

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