17.10.11

"Da Vaidade da Existência"

"As cenas da nossa vida assemelham-se a um quadro feito de mosaicos toscos; é ineficaz visto de perto e tem de ser admirado à distância para se lhe apreciar a beleza. É por isso que atingir algo desejado é descobrir como isso é vão; e é por isso que, embora vivamos toda a nossa vida na expectativa de coisas melhores, costumamos ao mesmo tempo ansiar tristemente pelo que passou. Por outro lado, o presente é encarado como algo temporário e que serve apenas como uma caminhada para o nosso alvo. É por isso que muitos descobrem, ao olharem para trás, que durante toda a vida viveram ad interim (temporariamente), e surpreendem-se por ver que o que deixaram passar sem lhe prestar atenção ou sem o gozar foi precisamente a sua vida, foi precisamente terem vivido na expectativa do que viveram."

Arthur Schopenhauer, em Sobre o Sofrimento do Mundo, trad. Jorge Pinheiro, Coisas de Ler Editora, p. 24

"failures just have more experience"



"it'll hurt but it will heal, I'm starting to believe it
eyes wide open in the darkness, but I really can't see it
it's burning right now and I want you to feel it somehow,
but without the pain of knowing it

breathe in, then exhale the fire of living it"

13.10.11

on/off

À mercê dos caprichos do tempo, em noites de insónia sou obrigado a assistir à passagem da eternidade. É como o céu cristão: uma ideia infernal.

12.10.11

Encontros póstumos

Costumo ter boa memória para recordar sonhos, mas desta vez, não consigo recuperar o teor da conversa nem parcialmente. É uma falha imperdoável tendo em conta a conspicuidade do indivíduo que resolveu aparecer. Só a cena é clara. Eu falava em inglês por necessidade, de modo que surgem apenas fragmentos dispersos de palavras que sei não serem as originais. David Foster Wallace por sua vez respondia com vagar ligeiramente aborrecido. Dos poucos mortos com que tive o prazer de discursar (em sonho pois claro), este último, proporcionou um encontro agradável no conforto do meu quarto. Sensação que perdurou até à vigília. 
Ao contrário da última vez, quando vi Frank Sinatra tirar-me o sorriso da cara com uma chapada encomendada pela máfia. Estávamos no corredor do mini-mercado aqui do bairro. Tinha expectativas diferentes para um encontro como esse. Na altura pareceu um castigo brutal.

9.10.11

Less is more or less

Como era possível que não conseguissem apreciar a frescura do design; a filosofia implícita no sacrifício do conforto pela estética; a pureza e subtileza das formas da sua nova casa?

"Quando é que chegam os móveis?" perguntaram os convidados inocentemente.

Destruído pela incompreensão alheia dos valores subentendidos de um quarto reduzido a uma cama e um espelho, encheu o vácuo do seu estômago com uma bebida tão branca como as paredes, e bêbedo, caiu minimalística e geometricamente no chão livre de tapetes e clichés.

6.10.11

M.- Gosto da tua t-shirt.
Eu- Ai é? Porquê?
M.- Porque é confusa. Não se percebe bem. Tem mesmo a ver contigo.

3.10.11

Tatuagem

Não há existência capaz de se sustentar num incessante questionar do valor de tudo. Para alguns, o esforço não é o de pensar assim, mas o de tentar conciliar com o teatro da vida esta forma de pensamento a que estão naturalmente predispostos. Parecerá como tentar misturar azeite em água. Aguarda-se uma paralisia consequente. A vida embebe uma atmosfera de tristeza de vício fácil pela sensação de nitidez inerente nas respostas a que se prestaram a buscar. Mas é veneno agridoce que com assustador reducionismo tinge o passado de falsas convicções, e o futuro, de sonhos não merecedores da expectativa necessária à vitalidade. Um divórcio impossível da consciência do nada. 
Busca a ilusão que melhor te conserva ou apodrece sufocado no teu axioma.

2.10.11

Hardcore Matinée


Aguardei que chegassem as filmagens e aqui estão elas. Por enquanto é o único vídeo. Uma coletânea de momentos do último concerto da tour europeia de For The Glory, no dia 25 de Setembro, no Revólver Bar em Cacilhas. Tocaram também Hard to Deal, For Ophelia´s Death, Cold Blooded e Grankapo com a intensidade a aumentar gradualmente. Mas foi em For The Glory que rebentou um caos como não via há uns tempos. A iluminação do palco não era o suficiente para aclarar a zona do mosh pit (que a dada altura ocupou dois terços da sala) para as câmeras filmarem a totalidade da confusão, mas ainda assim dão um bom registo da coisa. 
Das outras bandas presentes gostei particularmente de For Ophelia´s Death e Grankapo, mas confesso que foi For The Glory que me fez sair de casa. Afinal de contas, foi uma tarde bem passada, um bom concerto e uma banda aparentemente satisfeita pela resposta do público.


Edit: cliquem aqui para uma outra perspectiva do concerto.

29.9.11

Fail forward

Vamos interromper a história enquanto corre bem. Fingir a morte em nome de um final ainda feliz. Congelar a memória em nostalgia sem questionar o valor do engano. Antecipemos a ruína.

26.9.11

Celebremos

"Arábia Saudita. Mulheres ganham direito a votar e a serem candidatas."

"Só em 2012 as corridas de touros passam a ser interditas na Catalunha, mas hoje o dia é de despedida na arena de Barcelona: termina a época taurina e, desta vez, o adeus é definitivo."

É por isto que a minha esperança na humanidade ainda sobrevive.

23.9.11

O culto da fuga #39

André C. ©

André C. ©

Sentado no topo da montanha norte, vi à minha volta vários cavalos garranos à solta. Não contava com esta visão. Fui agradavelmente surpreendido.

"there must be a place for a wretch like me"


(...)
Can't tell collapse that it needs to slow down. 
Can't tell death that it shouldn't come around. 
And when they take my head and put it on a stake 
I'll know that guilt and disgrace keep the dead men awake. 

We've lived under this dark cloud forever. 
Waiting for the bad light to break. 

(...)
When they unearth these passages, 
will I appear to be proud?
Not if your listening close enough. 
Not if you're sounding it out.

21.9.11

Ars Moriendi

Se dada a escolha, ninguém na sua perfeita lucidez escolheria ter lucidez a tempo inteiro. 
A nossa sobrevivência também depende do olvido.

Barro fresco

Na sua essência, o passado é uma ideia moldada pela sedução do presente. 
É corruptível por natureza.

20.9.11

Absurdos maiores

Apatia como reflexo tornado recurso à engrenagem dos dias. A anestesia passa por verdade absoluta, momentaneamente inquestionável e paradoxalmente necessária à vida. Um descanso dogmático. Não obstante, um falso descanso para aqueles a quem as horas carecem de sentido. Uma mentira cancerígena que à noite cresce e se revela sem surpresa na lembrança de quem tentou escolher esquecer. Todos os dias, tempo de fé, e eu, ateu.

Taedium Vitae

Tempos estranhos, em que a ausência de uma doença chega a parecer outra. 

19.9.11

Annabel Lee



It was many and many a year ago,
   In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
   By the name of Annabel Lee;
And this maiden she lived with no other thought
   Than to love and be loved by me.

I was a child and she was a child,
   In this kingdom by the sea,
But we loved with a love that was more than love—
   I and my Annabel Lee—
With a love that the winged seraphs of Heaven
   Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
   In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
   My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsmen came
   And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
   In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in Heaven,
   Went envying her and me—
Yes!—that was the reason (as all men know,
   In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
   Chilling and killing my Annabel Lee.

But our love it was stronger by far than the love
   Of those who were older than we—
   Of many far wiser than we—
And neither the angels in Heaven above
   Nor the demons down under the sea
Can ever dissever my soul from the soul
   Of the beautiful Annabel Lee;

For the moon never beams, without bringing me dreams
   Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise, but I feel the bright eyes
   Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
   Of my darling—my darling—my life and my bride,
   In her sepulchre there by the sea—
   In her tomb by the sounding sea.

Annabel Lee por Edgar Allan Poe
Interpretação de Black Rebel Motorcycle Club

Façam-me o favor de voltar a esta música no inverno. Se possível, num dia bem sombrio.

17.9.11

O culto da fuga #38

A descida tinha o ângulo ideal. Reclinando o pescoço ligeiramente para cima era o suficiente para que se desvendassem as maravilhas de me fazer desaparecer do meu campo de visão. A sensação de movimento já não era mais confirmada pelos usuais indícios visuais, como os sugeridos pela coordenação primitiva entre pernas e braços que teimam em reaparecer aos pares no canto do olho, enquanto caminhamos numa dança natural à qual não podemos cessar de assistir se quisermos saber onde pousam os nossos pés. Esta aparente ausência de membros criava uma experiência de quase despersonalização, e algo cinematográfica, como se eu mesmo fosse uma câmera livre de operador filmando uma cena de travelling
Mas para não correr o risco de arruinar o ensaio, tive de minimizar a forma como pendulavam os meus braços, o que era, desde já aviso, de alguma dificuldade tendo em conta as altas temperaturas do dia e o quão tentadora é a vontade de deixar que ganhem vida própria nessas condições. Especialmente numa descida. Por isso mesmo, e graças a algum pudor vindo da ideia do que passaria pela cabeça de um hipotético observador do meu andar algo maquinal, apenas experimentava isto em pequenas doses. Seria bom poder exercitar mais frequentemente a sensação de ser um observador imparcial, sem ter a experiência destruída pela consciência imediata dessa observação, tal qual um onironauta inexperiente perde a lucidez no sonho na excitação de a estar a ter. 
Ladeado por campos e campos de milho, sorri e continuei caminho por aquela estrada que levava a casa todo o viajante vindo da montanha.

14.9.11

O culto da fuga #37

"Getting away from it all: it’s a common fantasy. But for some people, fantasizing isn’t enough. For whatever reason — the desire for peace and quiet in an increasingly frenetic world, an attempt to escape the intrusiveness of technology or the need for an isolated place to recover from heartbreak — they feel compelled to act out the fantasy, seeking the kind of solitude found only in the remotest locations."

"Some people might “really need their downtime,” Dr. Aron said, and seek out “isolation that avoids all social intercourse.” Others may have developed an “avoidant attachment style” in childhood, resulting in “a need to prove to themselves that they don’t need anybody,” she said."

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"In Mr. Fahey’s case, he moved to the island full time in 1994, several years after he divorced, not because he was traumatized, he said, but because he liked the “feeling of freedom when you’re by yourself. You don’t have to answer to anybody.”

"There are a handful of other residents on the other side of the island, but Mr. Fahey prefers not to socialize with them. “I’m not a misanthropic recluse sort of guy,” he said. “I just know that I’d rather be here by myself.”

Nick Fahey
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"Part of the draw of living on the island, which is now owned by the Nature Conservancy, was that “time did not matter — sometimes I would lose track of the year,” he said. “It was so magical, millions of birds, turtles. When I’d go out with the dinghy, manta ray would escort me, dolphins.”

Still, island life took its toll. “I got attacked by loneliness,” said Mr. Lextrait, who came to depend on the company of his German shepherd mix, TouTou. He would often forgot shaving and dressing, he said, and “I started talking to myself. Sometimes I felt like an animal.”

His infrequent visitors would ask things like “What are you going to do if a coconut falls on your head?” — given that the nearest doctor was hundreds of miles away. “I said, ‘Oh my, if I think like that, I’ll never do anything.’ ”

Roger Lextrait
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“We live in a world where everything is so specialized, now people don’t know how to make anything, they don’t know how to survive,” he said, speaking by cellphone from the forest. “I’m not completely self-sufficient, but I’m learning.” Every aspect of his daily routine was essential to his survival. “I have to collect firewood, rather than do some job that I have no idea what is the point, which I hate, and from which I am completely alienated,” he said. “Everything in my life feels full of meaning.”

Edward Griffith
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“I just wanted the idea of a less stressful life,” he said. “I figured there had to be something better than this out there.”

"There is an inherent conflict between the peace of total solitude and the pleasures of companionship, he admitted."

David Glasheen

Artigo completo aqui.

Memento Mori

Seremos esquecidos. 
Não importa. Não me lembrarei de lembrar se de mim me esqueci.
Vive agora.
Reina o absurdo. Nascemos para morrer.

4.9.11

"low tolerance level for stupid bullshit"

"Se o que tens a dizer não é mais belo que o silêncio, então cala-te."
Pitágoras

O culto da fuga #35

A minha grande fuga ainda está por cumprir. Vou suportando os dias em fugas de pequena magnitude, tendo a plena consciência de que apenas adio uma ruptura maior, que tanto tem de inevitável como de imprevisível. A insatisfação tomará o leme.

2.9.11

O culto da fuga #34

Perguntem-se, quando estou longe, porque não me aflige a saudade. Como poderia, se falo de um tempo já gasto, em que apesar de tudo, não se viram as costas por medo da solidão? Viro-as eu como que a reproduzir um gesto que vos quero ver fazer. Não entenderiam nem que me vissem fazê-lo mil vezes. Estou exausto de imaginar uma outra vida para vocês. Para nós. 
Continuem. Está tudo bem, não está? Continuem formulando planos para depois, mas vivam a vossa mentira longe da minha vista.

10.8.11

"Fuck It"

Só agora estou a praticar convenientemente a filosofia de um moderado not giving a fuck. Pouco me consolava saber a teoria se não tinha em vista dar-lhe um uso real. Neste momento consigo ver as portas abertas depois de anos de preocupações que mais não eram do que limitações por mim e para mim criadas. A vontade de evitar determinado trauma torna as pessoas reclusas no próprio corpo, parecendo que cumprem sem controlo uma outra espécie de expiação. Um caso clássico em que um mau remédio se torna mal permanente. Assim o acreditamos. Um hábito ao hábito de acharmos o medo maior que nós. Mas este é um processo lento, ou não fosse também o medo à mudança um sintoma de quem foi recluso por muito tempo. Passo a passo a fobia desaparece e eu reencontro pequenos prazeres que julguei estarem condenados à eternidade de uma decisão imutável. É bom que se desfaçam algumas certezas.

4.8.11

O culto da fuga #33

Que será feito de Axel Andrée? Esse alemão que em abril de 2009 saiu a pé de Frankfurt carregando alguns pertences numa carroça que puxou por mais de dois mil quilómetros, até parar finalmente no Parque de Montesinho. Para além de dois minutos no noticiário e de um artigo no JN, nada mais se soube desde então.
Calculo que já terá cumprido os objectivos que traçou inicialmente: plantar uma horta, dominar melhor o português e construir uma casa de pedra. A que missões se dedica agora? Gostaria muito de poder visitá-lo um dia. Mostrar-lhe o quanto respeito a sua decisão de aos 43 anos ter largado tudo para fazer corresponder as acções aos seus pensamentos, e viver uma vida de total comunhão com a Natureza. Teríamos longas conversas onde se misturaria o meu português com o seu alemão (língua, que juntamente com o russo e o japonês, anseio por aprender). Mostrar-me-ia o quanto cresceram as árvores que plantou, e o meu olhar surpreso seria a sua recompensa. Talvez se predispusesse a ensinar-me uma ou outra técnica de cultivo, me ajudasse também a construir uma casa de pedra e me mostrasse quais as bagas e os frutos secos indicados para consumo. Seriamos vizinhos distantes, que isso do termo eremita não é utilizado despropositadamente. Mas há um ponto que eu gostaria de focar. Axel diz-se capaz de viver ali vinte, trinta anos, quem sabe até morrer.
Do pouco tempo que vivi algo parecido a uma vida eremítica, pude concluir que para que esse mesmo estilo de vida funcione e subsista (para mim, entenda-se), não me devo arraigar ao local ao ponto de nele me sentir novamente preso. Não quero gastá-lo. Isto significa que tão depressa como chego, assim me vou para outros ares. O que fará de mim um eremita errante. Mesmo que aceitasse o eremitismo como um modo de vida permanente, seria quase certo que me faltaria a vontade de permanecer por muito tempo no mesmo sítio. Axel, terá uma visão diferente, e ao ter encontrado ali a tranquilidade que há muito buscava, é perfeitamente natural que tenha adoptado aquele como o seu lar fixo. Eu deixaria por aí pedaços de terra imbuídos da dose certa de saudade para voltar, ou não, noutro dia. Veremos como me sentirei aos 43.
Embora não seja imune à vontade de querer encontrar um sítio a que chamar de meu, sei que não pertenço a lado algum, e lado algum me pertence. A vagabundagem está-me no sangue, e eu ainda não lhe fiz o mínimo uso. Acreditem no que vos digo.
Não posso viver confinado à repetição, nem ao desespero de não a ter nunca. O meio termo será tentar retirar conforto da rotina, sem deixar que a vida passe fome de novidade.

30.7.11

Peaches En Regalia

"Music, in performance, is a type of sculpture. The air in the performance is sculpted into something."
Frank Zappa

26.7.11

Meme Literário - Revisited

Meditando sobre a minha resposta à última pergunta do meme literário, senti-me mal. A sensação de auto-convite não é muito convidativa e como tal, vou refazer a resposta. Aqui vai.

10. Indica dez amigos para o Meme Literário:
A x., a Cat, o du, o David, a Ana, a Inês, a Sophie Mishra e a Raquel.

Perdoem-me o esquecimento inicial.