3.10.11

Tatuagem

Não há existência capaz de se sustentar num incessante questionar do valor de tudo. Para alguns, o esforço não é o de pensar assim, mas o de tentar conciliar com o teatro da vida esta forma de pensamento a que estão naturalmente predispostos. Parecerá como tentar misturar azeite em água. Aguarda-se uma paralisia consequente. A vida embebe uma atmosfera de tristeza de vício fácil pela sensação de nitidez inerente nas respostas a que se prestaram a buscar. Mas é veneno agridoce que com assustador reducionismo tinge o passado de falsas convicções, e o futuro, de sonhos não merecedores da expectativa necessária à vitalidade. Um divórcio impossível da consciência do nada. 
Busca a ilusão que melhor te conserva ou apodrece sufocado no teu axioma.

2 comentários:

Anónimo disse...

Esse questionar é possível através de uma disciplina. O que não existe de facto, é uma predisposição da parte de cada um para elevar essa disciplina.
Dá a entender as suas palavras que a vida nos reduz. Mas na verdade, sem verdade, somos talvez nós que nos reduzimos a ela por falta de vontade própria e onde este "próprio" é segundo me parece um amontoado de coisas dispersas; como se, ao pintarmos de uma mesma cor objectos com diferentes conceitos, assim os tornássemos iguais na aparência e no significado.Abraços

André C. disse...

Compreendo que o que escrevi pode ser lido de formas diferentes do intuito original do texto, e por isso permita-me que discorde com algumas das suas palavras. Quando falo da impossibilidade de uma vida se conseguir manter num “incessante questionar do valor de tudo”, não me refiro a um cepticismo saudável que todo e cada um de nós deve manter e praticar com frequência, mas antes a um cepticismo levado ao extremo.

É um estado mental em que se chega a questionar a legitimidade de toda a acção antes mesmo desta surgir. Tudo é posto em causa à priori. É uma forma pessoal de ver o mundo, um tanto incompatível com uma vivência “feliz”. Sem um descanso temporário deste questionar obsessivo, não há ser humano que aguente sem que uma de duas situações aconteça: um esgotamento nervoso que incapacitará o indivíduo ou um suicídio. Algo tem de ceder.

A tal predisposição de que falo é a de só encontrar sentido na falta de sentido (paradoxos à parte). O importante, parece-me, não é tanto o de mudar esta visão, mas o de querer saber lidar com ela de forma a que não se interponha de modo tão persistente que paralise a vida.

Isto significa que tem de ser feito um esforço consciente para abdicar de ter como foco principal a absurdidade de tudo. E neste sentido concordo consigo, nem todos conseguem elevar essa disciplina. Mas essa vontade própria parte também, pelo esquecimento temporário. Ou seja, acredito que é possível viver crendo no absurdo de tudo, desde que não se tenha consciência do mesmo a todo o instante.

Obrigado por comentar. Este blogue vive das palavras que troco com os leitores. Abraços.