14.9.10

Ensaio sobre um suicidário #2

Noutra situação talvez a dúvida o tivesse morto, mas nesta não, terminou sendo redenção. Se pensou ter encontrado no suicídio uma saída para o que achou, na altura, ser um "sofrimento interminável", até este raciocínio visou a dado momento a felicidade. Não se tratou porém de uma interpretação algo distorcida do conceito, já por si complexo, de felicidade. Foi mais severo. A inexistência, foi a ideia que mais o seduziu, de uma vasta gama de opções certamente melhores. Poderá haver atitude mais desafiante à teoria da auto-preservação, do que a preferência à inexistência reforçada na crença do vazio pós-suicídio? O falso alívio oferecido pela morte nestas situações é tentador e muitas vezes causa agravante. Sentiu felicidade, ou antes uma pausa momentânea na depressão que durante muito, o encheu de vazio. Um esgar mórbido aquando do encontro de uma resposta como aquela. Tomou a morte como o alívio da vida, cujo único objectivo seria agora o seu próprio fim. Apesar da enorme disparidade, achou mesmo que a morte física seria a solução ou o fim dos seus problemas morais. A todo o momento do dia e da noite, o pensamento oscilava entre o atormentador e o aliviante, fosse pela realização do absurdo daquela ideia suicida, que apesar de tudo ainda lhe parecia estranha, exterior a si até (em momentos de vaga lucidez), fosse pela colocação voluntária num estado mental de pura apatia (estado esse que lhe pareceu o mais aprazível e próximo da tão aguardada felicidade) fundado no pernicioso pensamento, das mais variadas formas de cometer o derradeiro atentado à sua vida. O cortejamento da própria morte, fazendo jus à definição de suicidário, foi acontecendo assim, mental e obsessivamente. Delineado de forma implacável.

No entanto, num estado de alienação ocorreu a transformação. Resolveu não tentar sequer o suicídio, sentiu-se enlevado pelo pensamento masoquista que lhe assolou de rompante a mente. Decidiu que o derradeiro castigo seria a própria vida, e que realmente o merecia. Apesar de não se aproximar sequer da sanidade propriamente dita, seria um passo determinante em direcção à melhora. Inconscientemente deu chance à dúvida e à incerteza de poderem participar num ainda futuro. Mais importante ainda, deu a outros acontecimentos a força de uma oportunidade. Não o fez pensando que talvez melhorasse. Não o fez só pelos laços que criou neste planeta. Fê-lo porque encontrou conforto na ideia da perpetuação daquele sentimento, que de alguma forma o tornaria imune aos males do mundo. Do seu mundo. "Afinal, o que pode ser pior do que isto?" pensava. A prescrição de uma dose considerável de apatia (já antes experimentada) seria a receita mal amanhada, até uma inevitável overdose. Ainda demente, fez juiz de si próprio, não prevendo a repercussão daquela decisão, e aceitou a vida como a morte merecida. Demorou, mas mais tarde entendeu finalmente que não sendo a vida um castigo, também a morte, quando apressada, não é cura. Abandonou a malfadada ideia. "Tudo a seu tempo" meditou. "Se na certeza da dúvida encontro a minha solução, de dúvida morrerei... naturalmente porém". 

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