16.10.10

Contraste de pensamentos

O momento, de relaxamento total. A tal ponto, que mal conseguia focar as letras do livro que empunhava. Sentado num canto escondido da biblioteca municipal, com as estantes de livros infinitos a protegerem-no sabia lá ele bem do quê, sentia ânimo, um conforto que o abraçava. Como páginas abraçam letras. Ou as asfixiam. Continuou a olhar o livro, a mesma página, na mesma direcção, mas nada leu naquele instante. Um estado provavelmente idêntico ao da hipnose. Desviou o olhar e contemplou o início do Outono. Que ânsia para que chegasse. Sentia-se fisicamente bem por contraste visível ao exterior, fora daqueles paredões envidraçados. Um vento forte mas ainda não gelado, abanava as folhas das árvores, varria a poeira das ruas e levava-a para outro lado qualquer onde fizesse falta. As nuvens moviam-se a uma velocidade impressionante lá no alto. “Está na altura de ir…” pensou. Planeou uma tarde de leitura e escrita, mas as mesas estavam todas ocupadas, pelo que teve de se contentar com uma cadeira que sustentou o peso do seu corpo por apenas uma hora. Pegou no livro e no caderno de apontamentos e fez-se ao caminho. Empurrou as portas pesadas e sentiu a brisa. Caminhou pela calçada que abria espaço por entre o monte coberto de um tapete de relva e foi embalado em vento e pensamento. O estado anterior quase se manteve idêntico, mesmo enquanto caminhava. Sabia-o porque apenas imagens muito vagas lhe vinham à mente quando era feito um esforço para recordar o curto caminho percorrido até ao momento. Mais adiante, descia as escadas, uma por uma, de forma calma e indolente, não duas por uma como acontecia quando o stress assim o exigia. Assim que o lance terminou, tornou a olhar em frente. Reparou pelo canto esquerdo do seu olho que algo se aproximava. Transpostas as folhas de uma árvore que obstruíam a visão total, toda a calmaria se dissipou. Num andar ligeiramente altivo e apressado, mas seguro de si e das formas que sabia possuir, aproximava-se em cruzamento de passos, uma jovem mãe de cabelo muito longo. Á luz, reflectiu por segundos, o típico azul característico de um cabelo preto bem tratado. Calças que deixavam manobra para descortino de silhueta de tão justas e reveladoras, e uma fina camisola que mostrava uma nesga de pele perto do umbigo, suficiente para captar atenção. Empurrava um carrinho com o seu filho, e fazia-o com uma determinação visível pela posição do seu tronco, ligeiramente mais avançado que as pernas. Tudo contribuía para uma magnífica manifestação de curvas. Ciente do seu primeiro olhar, ainda sem poder de análise, esboçou um ligeiro sorriso na sua direcção. Não para ele, mas pela situação. Percebendo-o, ele colou a cabeça ao chão como que por vergonha que lhe tivessem sido lidos os pensamentos. Não por muito tempo. A sensualidade era mais forte do que aquele celibato visual que tentou manter por tempo suficiente para olhar com descontração. Sentiu-se afortunado pela casualidade o ter presenteado na escolha do mesmo caminho seguido pela mulher. Percebeu que morava ali perto quando a última coisa que viu foi a bela contracção da perna que subia o pequeno muro antes da porta de entrada. Deteve-se, olhou em volta, e fingiu ler a capa de um jornal na banca. Prosseguiu, agora mais tenso em mente e não só.

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