30.12.10

Pancadas e chapadas, violência literária

Em relação ao livro de Emil Cioran "Silogismos da Amargura" do qual retirei a frase para o post anterior, queria apenas relatar a forma caricata como o adquiri. Certo é que o acto de comprar um livro (ou um filme, ou um cd...), é em si uma aposta que fazemos visando a satisfação própria. Arriscamos o dinheiro e o tempo. Mas pode surgir o caso de o livro nos dar uma chapada, sem sequer percebermos ao certo qual o seu conteúdo e isto ser o suficiente para que nos decidamos. Aconteceu-me isto da chapada metafórica enquanto vagueava por prateleiras de livros na categoria de filosofia. Resolvi deitar a mão a este livro de E.M. Cioran. Folheei-o pacatamente, e interessei-me pelas frases carregadas desta ironia incisiva e auto-depreciativa da condição humana, tão vulnerável na sua essência, mas como se não bastasse, li o seguinte: "Com certezas, não pode haver estilo: a preocupação de dizer bem é o apanágio daqueles que não conseguem adormecer numa fé. À falta de um apoio sólido, agarram-se às palavras - simulacros de realidade; enquanto os outros, fortes nas suas convicções, desprezam a aparência e se refastelam no conforto da improvisação." Terminei a frase e sorri, não para dentro, mas para fora, quase contendo a gargalhada. Tenham em conta que tinham passado poucos dias após ter escrito este texto, ao qual esta citação se aplicava na perfeição. "Toma lá que é para aprenderes" pensei de mim para mim. Isto que aqui vos conto é no fundo a ideia do "quanto mais me bates mais gosto de ti", mas aplicado à nossa relação cooperativa com os livros. Parece que às vezes precisamos de pancada.

PS: Todo o livro é um combate. A divina tragédia da sua clareza poética, um tom anti-optimista com laivos humorísticos e quase caricaturais na forma como explora sem pudor os sentimentos humanos, que ora nos salva, ora nos atira ao abismo, são tudo razões para aconselhar a sua leitura.

2 comentários:

Cat disse...

eu sinto o mesmo. mas nem sempre. umas vezes sai tudo o que devia e o que não devia, outras fica tanto por dizer (por sinal nas vezes mais importantes) mas acho que é mesmo assim que funciona. quanto mais sabemos sobre as palavras mais valor lhes damos, mais cuidado temos com a frase em que as colocamos, existe de certa forma um respeito para com a rétorica. e pensamos: mais vale pensar melhor sobre o assunto; mas esquecemo-nos que aquele momento não vai voltar, o sentimento também não. e lá vai mais uma oportunidade para o caderninho (já a abarrotar) de coisas que devia ter dito ou feito. a esse caderno juntam-se pensamentos, revoltas, sentimentos, conversas solitárias entre cerebro e coração e até ideias estupidas e banais ( sem querer inferiorizar as ultimas, até porque que senao tivessemos pensamentos estupidos não teriamos pensamentos interessantes, de todo). antes de escrever isto pensei se valeria a pena, afinal não vai mudar nada, nem adiantar grande coisa, ou talvez vá. por via das duvidas ficam as letras. e desculpa pela falta das maiusculas, do rigor dos acentos e pela falta de uma segunda leitura da minha parte, mas este saiu-me.

André C. disse...

Fico feliz por teres falado, e espero sinceramente que de alguma forma te sintas melhor por teres partilhado isso. Lá vamos aprendendo umas coisinhas à medida que crescemos, nomeadamente isso do ficarem coisas por dizer, que por vezes tanto nos atormentam. Eu sei que tu sabes que há sempre qualquer coisa boa que surje de uma má, embora não a possas ver imediatamente. Temos é que estar lá para as ver transformar, e fazer algo por isso, mesmo que no início não acreditemos que existam forças para tal.

Um abraço virtual por agora.
Um abraço muito forte quando te vir.