21.3.11

Dona Helena


Morreu a Dona Helena aqui no bairro. Velha e sozinha. "Chegámos a vê-la com o tal maço de cigarros na mão", disseram-me. O tal, em dito fatal e com razão para isso. Cena dramática (essa que imagino ter antecedido o seu último suspiro) mas possível, como só a vida o sabe ser, da qual a morte é apenas uma lei que se faz cumprir, por vezes, até querer. Sentia-lhe um cansaço da vida no que restava do seu sorriso, mas não a convicção de por si, a adormecer de vez. Talvez suplicasse por intervenção divina nesse aspecto.
Perdoou quem dizia ter-lhe feito mal? Sentiu o perdão em si antes de sentir a morte? E os gatos que alimentou com tanta paixão, que será deles? Quem defenderá agora as gatas dos gatos com libido de coelhos? Morreu antes do cigarro cair no chão? Terá reconquistado a fé na humanidade mesmo que no final... ou terá o vinco do passado conservado a amargura? Quem lhe perdoou essa amargura?
Restam cinzas da fome do fogo. Atmosfera cadente impregnada no silêncio dos objectos. Silêncio esse que a acompanhava por longos dias. Olha como jazem os seus pertences na rua. Ainda sinto o cheiro a queimado.

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