6.6.10

Palágrimas

Ali estava a minha avó, parada ao pé da porta, anos após a sua morte. Ali estava eu, acabado de chegar de uma festa. "Não é possível, esperei tantos anos por este momento" ouvi-me a pensar. Eu sei que ela leu o meu pensamento como acontece com seres que partilham características de alma. Corri na direcção do seu sorriso que me é tão familiar e que nunca esqueci passado tanto tempo e abracei-a. Abracei-a com muita força, com a força de todos os anos em que não a vi e apenas a senti, julgando-me um louco por vezes. Mas não, agora sei que não perdi a sanidade mental. As mãos que sinto nas minhas costas são as mesmas que me embalaram quando era mais novo e pareciam ter o dom de me acalmar mais do que qualquer outra coisa. Guiam-me e consolam-me, tal como antigamente.

Lembro-me bem das suas mãos. Sulcos vincados na pele pelo passar de uma longa vida. Mas as suas palmas, essas, eram feitas de seda e penas. Suaves, leves, flutuavam na minha pele como se fossemos feitos do mesmo ar. Ela sentada no sofá e eu estendido com as pernas no seu colo, enquanto adormecia num sono profundo provocado simplesmente pelo deslizar das suas mãos nas minhas costas. Doces memórias. 

E agora... ali estava ela. Chorei. Muito. Não sei se de alegria, se de tristeza ou um misto de ambas despoletado pela surpresa do reencontro. Foram lágrimas de amor isso eu sei. Lágrimas que afogaram as palavras que não precisei de dizer. Serena como sempre, falou-me ao ouvido: "Até que enfim". E a paz repousou na minha alma novamente. A melancolia cessou a cada lágrima. Em mim, a confirmação de que a morte como muitos a julgam não existe e é a maior mentira que nos contam desde pequenos.

Sem comentários: