8.2.11

Tic Tac

Olhemos à nossa volta e veremos sempre um número significativo de pessoas caminhando depressa, como quem engana a vontade de correr. Se pingarem os olhos apressadamente no relógio, teremos então o quadro completo. O sangue a correr nas veias, o suor a pingar nas testas vermelhas e o corpo que continua a mexer empurrado pelo vento das responsabilidades. Estudos mostram um aumento significativo e progressivo na velocidade a que nos movemos ao longo dos anos. Que não há tempo. Que não têm tempo. Que até para descansar estão demasiado ocupados. São frases comuns, que circulam cada vez mais de boca em boca. Aqueles a quem o trabalho não chega, estão inscritos num rol de actividades que mais tempo ocupa. Ocupemos também o dos nossos filhos, que a escola pesada de horário asfixiante desde o início, não basta. Precisam do cérebro estimuladinho e preparado para a repetição, que a invenção pessoal nada conta para o efeito. Estamos escravos e dependentes do tempo. Dormentes também, porque isto é coisa para vir com o hábito da pancada. O importante aqui é entender que nós fizemos do tempo o carrasco, e que este não é algo fatal e incapaz de mudança. A necessidade que temos de nos tornarmos escravos de algo é tema a aprofundar noutra altura.

No início, o relógio era exposto em locais centrais e importantes, primeiro em igrejas e depois em fábricas na altura da revolução industrial, passando pelo fabrico de engenhos mais leves e pequenos, que pudessem ser postos em casa da classe média e de seguida para relógios de bolso e de pulso. Estas duas últimas invenções muita estranheza e ridículo causaram entre quem as usava. Essa ideia de andar e caminhar com o tempo no bolso, ou literalmente preso no pulso era engraçada, um conceito estranho. Tornou-se hábito pouco depois, e o que estranhou logo se entranhou. Há que pensar no efeito psicológico que a presença física de uma máquina que regula o tempo, o nosso tempo, tem sobre nós. O stress constante que nos dizem ser evitável, a irritabilidade, a sensação de desespero perante uma força abstracta tornada por nós demasiado concreta e as mais variadas provas que o efeito desse stress tem sobre nós a curto e a longo prazo, não parecem ser razões suficientes para o abrandamento. E nós concordamos, compreendidos, e juramos a pés juntos mudar daí a diante, e talvez consigamos, por um par de dias, que logo se intromete o trabalho, e a vida não está para brincadeiras. Façamos no entanto, a análise noutro ponto de vista. Como disse, desde cedo somos obrigados a entrar neste ritmo que nos impõem para que sejamos produtivos, e tenhamos boas notas, capazes de nos dar a hipótese de ter um emprego bem remunerado que seja capaz de nos sustentar para a vida e por aí adiante. Há também um culto do bem material disseminado desde o início das suas vidas, que se sobrepõe claramente ao sonho. São empregos encomendados para a criança, como eram antes os casamentos. Não de forma muito directa, mas antes como pequenos mantras repetidos aqui e ali, que na sua cabeça até se tornam verdade, sim deve ser isto que eu quero para mim, pensam. Trabalho e riqueza. Felicidade depois. Aguardem as vontades, que há um tempo certo para elas assim que tiverem dinheiro, é basicamente o que nos dizem. Sim, existe maior liberdade de escolha e as mentes não são tão fechadas como antes, mas não neguem a existência da pressão.

Grande parte do problema está nas diferentes associações que se fazem a duas simples palavras: rápido e lento. Hoje em dia, o rápido é sinal de ocupação, produtividade, vigor, e tem uma conotação bastante positiva. Já a palavra lento tem uma carga negativa em seu redor que se sente à distância, é sinónimo de algo torpe, inútil, um obstáculo qualquer, ronceiro e mandrião. É normal que por estas definições vigentes a população trace imediatamente a ponte do lento para o vazio, e que horror é este ao vazio, que sempre existiu desde os primórdios do que se conhece como sociedade. É imperativo que se destruam os dois lados desta ponte! Que caiam no esquecimento. Que sejam elas condenadas ao vazio e não voltem. Trabalhemos entre cada respiração. Não dar lugar ao vazio é a nossa ocupação enquanto população. Se alguém ocupado se permite a tomar um café com alguém menos atarefado, parece um descanso forçado. Não há desfrutar no ócio. Acredita-se que parar é morrer, mas quem disse que parar fisicamente é parar mentalmente? O vagar oferece no entanto, algo muito bom que a velocidade jamais poderá oferecer: a reflexão. Essa cultura do rápido a que todos os dias assistimos e somos parte integrante, não medita, não acalma, e podia agora vir uma longa dissertação sobre os problemas psicológicos que isto trás enquanto combustível para perturbações de identidade. Relaxar passou a ser estigma. Muitos o fazem longe da vista de terceiros. Mas não seria estigma se ainda no recato, não sentissem um pingo de culpa nisso. Na verdade este estigma, é semelhante ao adolescente que se sente pressionado a comportar de determinada maneira. É o estigma de quem não adere à moda do rápido. Sem dúvida que a velocidade nos trouxe uma imensidade de avanços, e não idolatro a lentidão ao ponto de extremismo, o que estou a tentar dizer é que uma simples, mas acertada lei da natureza é a moderação, e esta não é cumprida. Mais ainda, isto é um manifesto para a recuperação do auto-respeito, o respeito pelo ritmo natural de cada um que é constantemente violado. É o género de doença que se alastra a todos os campos da vida e não só o do labor, afeta as relações de amizade e de amor, as relações entre família, a relação com o mundo e com o eu, enfim tudo é atingido por esta problemática e está na altura de recalibrar a balança que pende em demasia para o lado da patologia.

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