5.10.11

Irony Overload

"Em Bristol, pintar por cima da arte de rua é "acto de vandalismo"

10 comentários:

. disse...

é uma questão complexa :)

então e os direitos de autor de quem lá passou primeiro?

e os direitos do dono do muro?

André C. disse...

Sem dúvida que é. É um tema que tem pano p´ra mangas.

“então e os direitos de autor de quem lá passou primeiro?” bem, nesse aspecto, e deduzindo que te referes a artistas de rua, o máximo que existe nesse submundo é um acordo tácito de respeito sobre o espaço ocupado em primeiro lugar (neste sentido, sim, talvez a ideia de vandalismo da arte de rua se possa aplicar entre artistas). Se esse acordo é violado, por exemplo por um graffiti a sobrepor outro, não há nada a fazer a não ser que se reconheça o autor do mesmo e se vá pedir explicações, caso contrário nenhuma autoridade tomará conta do caso. Esta referência que o jornal faz é uma excepção à regra.

“e os direitos do dono do muro?” o proprietário do muro tem leis que o apoiam caso decida retirar determinado graffiti. É justo. Pode-se sempre tentar arranjar um consenso entre as duas partes para preservar a obra. Se resultar, muito bem.

Penso que concordas comigo quando digo que por lei, todo o graffiti feito fora das zonas designadas para o efeito é vandalismo, mas que esse rótulo não o impede de ser ao mesmo tempo arte. Reconheço o valor artístico de determinados graffitis, mas não nos esqueçamos de que ainda estamos a falar de arte de rua, cuja ideia é ser contracultura, um manifesto e uma revolta fora do paradigma das galerias e subsequentes classificações. Reconhecer isto é aceitar como natural a efemeridade dessas obras, que consideradas arte ou não, estão à mercê da opinião do dono do espaço onde foram feitas ilegalmente ou da ocupação por outro artista de rua. Proteger legalmente uma obra destas parece um contra-senso e uma hipocrisia. O único meio de se preservar uma obra deste tipo, respeitando simultaneamente a ideologia do graffiti, parece-me ser através da fotografia com intenção documental. Um registo legítimo para a posteridade.

. disse...

és mais sensato e fazes melhor análise que muitos "peritos" que conheço.

não me posso alongar agora que o trabalho acumula na secretária, mas dedicar-me-ei mais logo a uma resposta condigna.

tens razão em muito do que dizes, mas vai ponderando nisto antes da minha contra-resposta: o direito de autor não precisa de registo para existir. tu crias uma obra original, e a sua expressão (qualquer modo que fique registado - por escrito, desenho ou gravação, por exemplo) faz nascer o direito que lhe confere protecção legal, sem necessidade de qualquer formalismo e independentemente da qualidade da criação.

mesmo um "tag" foleiro feito por um miúdo de 12 anos pode ser protegido por direito de autor por 70 anos após a morte dele.

André C. disse...

;) aguardarei então pela resposta

Não me lembrei dessa parte, mas tendo em conta a situação não sei se valerá de muito. Não estou familiarizado com a legislação no que diz respeito aos limites do direito de autor, e quais os casos de excepção, mas não podemos suprimir o direito à propriedade privada. É uma limitação directa à acção de outros. Está na constituição (portuguesa) que todos têm o direito à liberdade de expressão, mas que as infracções cometidas no exercício desse direito estão passíveis de acção legal. O prejuízo causado por um graffiti de certo está contra meia dúzia de leis, que não devem diferir muito na Inglaterra.

O melhor que os artistas de rua têm a fazer é correr assim que o trabalho esteja pronto, porque são poucas as probabilidades de ganharem em tribunal alegando simplesmente os direitos de autor. Daí o intuito de quererem defender a classificação da obra do Banksy. Era um reforço necessário que lhe dava o estatuto de obra de arte reconhecida, que muito provavelmente ainda seria insuficiente caso o dono do muro se recusasse a mantê-la. Tal como fez no início sem que nada disto chegasse a acontecer. Aliás, acho que até mesmo a classificação da obra depende da vontade do proprietário do muro.

. disse...

passando então à resposta:

claro que não podemos suprimir o direito à propriedade privada, mas um direito pode ser comprimido quando outro de igual valor se lhe oponha, de forma a chegar a uma harmonia.

a questão entronca aí mesmo: qual o valor do direito à criação intelectual e a sua relação com a propriedade privada.

o entendimento geral nos tribunais é que prevalece a propriedade privada, mas eu acho que as coisas não podem ser assim tão simples.

defendi na minha tese que o a raiz dos direitos de propriedade intelectual (autor/conexos e industriais) fosse deslocada para os direitos fundamentais, como por exemplo, extensão dos direitos de livre desenvolvimento da personalidade, precisamente para que equiparassem a outros de elevado valor, como a propriedade.

a análise teria assim que passar a ser casuística, e no caso do banksy, ou de um vhils, muito provavelmente a obra permaneceria. nem que fosse através da remoção daquele bocado de parede (se possível), dado que o valor artístico é superior ao valor da coisa material.

levantam-se é outros problemas que bem referenciaste » o carácter subversivo, de contracultura e de manifesto de revolta.
fico dividido, porque por um lado acho que muitos artistas (os de tatuagem por exemplo) deviam ser mais protegidos, mas por outro lado este deve ser um espaço livre de direito.

já temos regulação a mais. pena é não haver bom senso suficiente nas pessoas.

se calhar fui demasiado longe, desculpa =D

p.s.: tentei expurgar os termos jurídicos e tornar a resposta o mais acessível possível a toda a gente que possa ler. ficou um pouco simplista mas propositadamente.

André C. disse...

“defendi na minha tese que a raiz dos direitos de propriedade intelectual (autor/conexos e industriais) fosse deslocada para os direitos fundamentais, como por exemplo, extensão dos direitos de livre desenvolvimento da personalidade, precisamente para que equiparassem a outros de elevado valor, como a propriedade.” É uma proposta fabulosa e com a qual concordo inteiramente. Oxalá o debate em torno desta notícia modifique alguma coisa a esse respeito.

Sem dúvida que há falta de bom senso e falta de cultura para apreciar o poder interventivo de artes como a do graffiti e outras, que sem terem esse carácter, não perdem qualidade. Mas felizmente há alguma esperança tendo em conta a quantidade de pessoas que já reconhecem obras como as do Banksy como algo a proteger.

Questões deste tipo têm de ser tratadas minuciosamente. Têm tantas pontas por onde se pegar que é um caos tentar formar uma opinião definitiva sobre o assunto. Mas que isso não seja desculpa para evitar perguntas inconvenientes. A internet é um óptimo local para as discussões evoluírem.

Ainda bem que resolveste comentar. Estava com medo que ninguém tivesse nada a dizer sobre o assunto :P

. disse...

o meu problema é que tenho demasiado a dizer sobre o assunto e pouca gente a ouvir =D

(e pouco tempo para o dizer também, confesso)

André C. disse...

conheço a sensação.

Herético disse...

exacto. tem é mesmo de ser arte, se for uma escarreta em modo graffiti, até se faz questão que vá lá outro tentar a sua sorte.

André C. disse...

às vezes dou por mim a pensar o mesmo.